15 novembro, 2012

Galeria Laura Marsiaj 2012- Sala Principal - Sweet Lands













ALAN FONTES: PINTURA FORA DE SI.


                                                                    Marcelo Campos  2012


O artista Alan Fontes apresenta-nos pinturas que se interessam em, pelo menos, duas vertentes conceituais. De um lado, temos a pintura tratada em seus próprios termos, grades, planaridades, ritmos, repetições. Por outro, a realidade que não se contenta em exibir-se como imagem, ativando instâncias instalativas, exercendo ilusões, agregações, convocando objetos cênicos, ganhando o espaço por fora de si. A pintura está fora de si, esta é a frase que poderíamos proferir diante das propostas de Alan.

Em duas séries de acentuada pregnância, “A cidade”, iniciada em 2004 e “A casa”, iniciada em 2005, Alan Fontes observa, a partir de pontos de vista distintos, o que faz dos nossos lares algo tão diferente, parafraseando a pergunta do precursor da pop art, Richard Hamilton. Em “A cidade”, Alan acentua a vista aérea de lugares, vilas, quadras, deixando as informações mais específicas, mais identificáveis, sucumbirem ao modo de tratamento das tintas, cores e gestos. Assim, os azuis e cinzas ganham de qualquer possibilidade de reconhecimento específico do lugar. Diferente do que fizera Malevich, ao reduzir as vistas de olhos de pássaros a reduzidíssimas geometrias, alargando e estreitando, concomitantemente, as possibilidades da pintura modernista, Alan aceita o caráter expressivo e os vestígios um tanto mais documentais destes quarteirões. Se aproxima da paleta fotográfica de Gerhard Richter, outro a executar vistas aéreas sobre as cidades. Assim, vemos, na cidade de Alan, traçados urbanos onde  as quadras de esporte, os telhados das casas de duas águas, à maneira colonial, ou retos como nos traçados modernos, servem, para a pintura, como grade e informação, ao mesmo tempo. Mas, sobretudo, vemos as piscinas.

O azul-piscina na história da pintura no século XX é um capítulo à parte, promovera a solidão em David Hockney, o erotismo narcísico em Eric Fischl e continua a exercer intenso fascínio em pintores atuais. Não somente a piscina como deleite, gozo, mas a condição imagética que é deflagrada por tantas deformações do corpo nos efeitos dos reflexos de luz, na complexidade do espelho. No mistério de se ver refletido, o mergulho é de um azul mais profundo.

Em New York City, Mondrian se empenhara em relacionar geometria e cidade, superposições ritmadas e cores primárias. Uma consideração é fundamental para entendermos tal processo de abolição da geometria como imagem. Ao ser perguntado sobre o motivo que o fazia repintar inúmeras vezes as partes do branco da pintura, Mondrian respondera que precisava vencer a cor para que ela produzisse força e não criasse uma mera hierarquia. Ao observarmos Alan atento em colocar um mínimo de informações sobre telhados, sem retirá-los de vez da pintura, deixando-os expressivos e geométricos, sabemos que as lições entre presença, força e informação refizeram esta possibilidade de uso da geometria.

Da série “A casa”, notamos o lado de dentro das habitações. Na pintura La Foule, que se intitula a partir de uma canção homônima interpretada por Edith Piaf, vemos uma casa fora do tempo cronológico. Agregam-se elementos de distintas épocas, mobiliários com pés de palito, espelhos como os dos camarins do Folie Bergere, fotografias de casas de traçado modernista e um cartaz de Hiroshima Mon Amour, película de 1959 dirigida por Alain Resnais.

No filme, a guerra serve como metáfora para que as personagens ativem polaridades, vencedores e vencidos, enquanto o amor trata de juntar lados opostos. Ainda que o mundo estivesse moralmente estilhaçado, erodido, a maior parte da película se passa entre quatro paredes, no enlace de um casal proibido, profanador. Na tentativa de criar a instalação, o preto e branco do cinema invade a sala de exposição com um papel de parede no mesmo duotone que esvanece a cor para desfazer a pintura, ampliando-a. Assim, o violáceo do amor, das paredes do camarim, da invenção do ateliê só acontece no núcleo em que a pintura é emissão de calor, de abraço, de envolvimento. O que faz dos nossos lares algo tão diferente, poderíamos responder a Hamilton, mais do que os eletrodomésticos, os cartazes, a tela da TV, é o invisível dos afetos que dotamos às coisas e às pessoas com as quais decidimos compartir.

MARCELO CAMPOS - Professor Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte e coordenador da graduação em artes do Instituto de Artes da UERJ. Doutor em Artes Visuais pelo PPGAV da Escola de Belas Artes/ UFRJ. 

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